Experimento com cães de rua revela que eles nascem prontos para nos ‘entender’
A milenar e próxima relação entre cães e humanos já foi objeto de muitos estudos científicos, que revelam que desde os músculos ao redor dos olhos até a liberação do hormônio ocitocina facilitam a relação dos cachorros conosco.
Como muitos destes estudos envolveram animais domesticados, criados em casa e minimamente adestrados, fica a dúvida: será que cães de rua reagem da mesma maneira?
A bióloga Anindita Bhadra, do Instituto de Educação e Pesquisa Científica de Calcutá, na Índia, vem pesquisando há anos especificamente populações de cães vivendo ao relento e busca responder essa pergunta.
Segundo a autora, os cães de rua são o maior grupo de cachorros no mundo e seu vínculo com os humanos é marcado por vários fatores, inclusive sociais e econômicos.
Entenda o teste – O último trabalho de Bhadra e seus colaboradores foi publicado no periódico Frontiers in Psychology e testou a reação dos animais de rua a comandos de humanos desconhecidos. O teste já havia sido feito em outros estudos, mas sempre com donos de pets. Ao se depararem com dois recipientes de comida, os cães de rua escolheram na maioria dos casos aquele para o qual o humano apontava.
A equipe realizou nas ruas de cidades da região indiana de Bengala Ocidental um experimento digno do Ig Nobel, o prêmio que laureia pesquisas científicas engraçadas, e muitas vezes estranhas. A primeira fase era de familiarização: uma pessoa mostrava a um cachorro de rua um pedaço de frango cru, que o animal podia cheirar, e depois esta carne era posta dentro de um recipiente.
Então, o alimento era posto dentro de um pote, deixando um segundo receptáculo vazio. Um instrutor então entrava em cena. Sem saber onde a galinha estava, ele apontava para um dos recipientes no chão. Detalhe: tudo milimetricamente medido, com distâncias pré-estabelecidas entre os potes, o instrutor e o cachorro. A equipe também produziu relatórios e filmagens dos experimentos.
Foram testados 120 animais. Destes, praticamente metade (59) se aproximou de algum dos potes — os outros ficaram parados ou saíram em outra direção, o que os cientistas associam com um estado de ansiedade e possivelmente resultado de experiências negativas anteriores. Dos que se aproximaram, cerca de 80% (47 cães) foram na direção apontada pelo instrutor, independentemente do que havia lá.
Houve ainda testes com um grupo controle de 40 animais, para verificar se outras variáveis podem ter influência na escolha dos potes, o que não foi confirmado — a influência humana foi evidente. Por isso, a equipe de Bhadra diz que cachorros já nascem capazes de entender certas ações humanas, mesmo sem treinamento.
“Achamos bastante animador que os cães conseguissem seguir um gesto tão abstrato como apontar com a mão”, disse Bhadra em um comunicado à imprensa. “Isso significa que eles observam os humanos com atenção, inclusive aqueles que veem pela primeira vez, e usam esta compreensão sobre os humanos para tomar uma decisão. Isto mostra a inteligência e a adaptabilidade destes animais”.
Ao analisar o grupo de cães que se afastou dos testes, os pesquisadores destacam que “experiências ao longo da vida podem ser diferentes e ter um impacto significativo no comportamento dos cães”.
“Cães de rua são encontrados na maior parte dos países em desenvolvimento e vivem sem supervisão humana direta. Eles interagem com humanos regularmente e recebem estímulos positivos, como comida e carinho; e negativos, como agressões (…)”, diz o artigo no Frontiers in Psychology. Bhadra diz que os resultados da pesquisa, por ampliarem a compreensão sobre a nossa relação com os animais, podem melhorá-la.
“Precisamos entender que cachorros são animais inteligentes que podem coexistir conosco”, diz. “Eles são muito capazes de entender nossa linguagem corporal, e precisamos lhes dar espaço. Um pouco de empatia e respeito por outras espécies pode reduzir muito do conflito.”
O artigo tem um capítulo de contextualização, em que os autores lembram que outros animais reagem a gestos de humanos, como chipanzés, cavalos, elefantes, cabras e gatos.
Já havia sido demonstrado também que cachorros produzem ocitocina, hormônio relacionado à conexão social nos mamíferos, na presença de humanos.
Pesquisadores da universidade de Portsmouth, Inglaterra, publicaram um estudo mostrando também adaptações de músculos ao redor dos olhos de cães que permitem expressões faciais particularmente atraentes aos humanos — como um olhar infantil e similar aos movimentos dos olhos humanos quando tristes.
“Quando os cães fazem esse movimento, parecem despertar nos humanos um forte sentimento de proteção”, explicou em 2019 Juliane Kaminski, da equipe de Portsmouth.
Fonte: G1