Criança rejeita carne aos 6 anos e faz toda a família virar vegana
Aos seis anos, Yuri Lira Magário pediu para que a mãe, a técnica em nutrição Aline Lira, não o obrigasse a comer carne. Ele passava a mão no pescoço dizendo que não conseguiria engolir a comida. Aline tentou fazer o filho mudar de ideia. “Se você não comer, pode morrer”. A resposta foi contundente: “Prefiro morrer do que comer um animal de novo”. A resistência de Yuri foi decisiva para que a família toda mudasse de hábitos alimentares.
Antes mesmo de saber o que era veganismo, Yuri deu os primeiros passos na direção desse estilo de vida que rejeita todas as formas de exploração animal. “Ele ainda estava aprendendo a falar quando identificou que estava comendo ovo. Ele sabia que do ovo nasce o pintinho, e daí se recusou a comer”, lembra Aline.
Em seguida, os laticínios foram cortados pelo garoto, que passou a associar a imagem da vaca nas embalagens ao leite. A mãe diz que o filho sempre seguiu a lógica de que “comida é comida e animal é animal”. A família começou, então, a optar por alimentos processados, como salsichas, linguiças e demais produtos que não têm a aparência da carne convencional.
Mas a medida não durou muito tempo. “Depois que o Yuri passou a se recusar a comer carne, pediu para que ninguém comesse com ele na mesa, ou que tivesse algum animal morto na geladeira. Desde então, passamos a comprar tudo de origem vegetal”, comenta Aline.
Ela conta que a decisão do filho exigiu preparo da família. A procura informação, descobriu que os veganos, não consomem carne, nem qualquer tipo de produto de origem animal. Já o médico Fabio Magário, pai de Yuri, fez o caminho inverso. Pesquisou estudos que falavam das consequências dos insumos animais na alimentação.
“Meu marido descobriu a possibilidade de vivermos até mesmo melhor do que antes, em relação à saúde, devido à segurança alimentar em não comer animais”, explica Aline. “Os exames do Yuri estão ótimos. Ele tem um ano a menos do que a turma da escola, mas acompanha o crescimento físico e se destaca no desempenho intelectual”.
Hoje, a alimentação da família é toda adaptada ao padrão exigido pelo veganismo. As carnes e produtos de origem animal foram substituídos por alimentos alternativos, produzidos só com itens de origem vegetal. Além disso, alguns anos depois da transição alimentar, eles ganharam um novo integrante, o pequeno Léo, de 10 meses, que crescerá seguindo a orientação dos pais e do irmão na alimentação.
Aline Lira explica que Yuri já se sentiu incomodado com os comentários feitos a respeito das pessoas que optam por hábitos veganos. Em um dos episódios, ocorrido em uma festa infantil com buffet preparado, em sua maioria, com alimentos vegetais, Yuri ficou aborrecido e até se questionou a respeito de sua escolha.
“Dois amigos dele ficaram debochando, dizendo que vegano não presta, que é um lixo. Outros convidados da anfitriã também falavam mal da comida. Ele veio chorando, dizendo que não queria mais ser vegano. Mas depois explicou que só queria que eu não falasse para mais ninguém. Sinto que ele passou a se envergonhar um pouco e se sentiu muito mal com isso”, desabafa a mãe.
Digital influencer – A curiosidade das pessoas sobre o que um vegano come serviu como motivação para que Aline passasse a compartilhar a rotina e alimentação da família na Internet. “As pessoas perguntavam muito o que a gente comia, e eu ficava mostrando fotos no celular. Decidi colocar tudo lá (no Instagram) para ficar mais fácil. Mas isso me ajudou a ter mais inspiração, porque descobri vários perfis veganos, e passei a seguir todos”.
Atualmente, mais de 26 mil usuários acompanham as publicações de Aline Lira. Com fotos atrativas, ela compartilha sugestões de pratos e indicações de lugares que atendem a esse tipo de público, assim como registra momentos com os filhos Yuri e Léo.
Muitas mães procuram com frequência a técnica em nutrição para tirar dúvidas sobre sua experiência com crianças veganas. “Chegam mães perdidas, porque os filhos estão se recusando a comer animais. Imagino que hoje há uma nova geração com consciência expandida”.
Decisões
Já na família de Jéssica Germano de Freitas, de 29 anos, a opção pelo veganismo teve influência dos adultos. Ela, o marido e as filhas começaram a transição alimentar há três anos. Hoje, todos se consideram veganos.
“Meu marido era ovolactovegetariano (alguém que não come carne, mas que ainda se alimenta de ovos e derivados do leite), um ano antes de nós. Mas os boatos sobre papelão na carne foram decisivos para mim. Me tornei ovolacto também”, explica Jéssica.
Para ela, a dieta vegetariana foi um fator importante na transição. “Quatro meses depois, fomos em um festival vegano e decidimos mudar. Compramos um livro e seguimos”.
Mãe de Lana, de 6 anos, e Mariah, de 6 meses, Jéssica comenta que ainda ouve críticas em relação à alimentação da família e ao veganismo na infância. “Teve muita implicância sim, e até hoje lidamos com isso. Sempre é a mesma questão, de que animais foram feitos pra isso, que minhas filhas ficariam doentes, ou que estávamos privando as meninas de escolha”, desabafa.
Jéssica também viu nas redes sociais um instrumento de apoio. Dicas compartilhadas em perfis veganos ajudaram a tornar o processo de mudança na dieta mais simples.
Alimentação – De acordo com a nutricionista Fabiana Sanches, a dieta vegana, quando devidamente acompanhada, não traz qualquer malefício às crianças. O veganismo é reconhecido como prática segura pela Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, e diminui as chances de anemia, osteoporose, raquitismo e obesidade, explica Fabiana.
Segundo ela, a criança que já nasce em uma família que segue a dieta tem maior facilidade para adaptar seu intestino. Já para a criança onívora, que tem alimentação baseada em plantas, o processo adaptativo é gradual. “Passar de uma fase para outra pode demorar meses. É preciso sempre garantir que, excluindo a carne e o leite, por exemplo, se consiga ferro e cálcio em outras fontes”.
A nutricionista ressalta que o vegano não pode se alimentar só de arroz e feijão. “O prato de uma criança vegana deve conter algum alimento do grupo do feijão, algum cereal, pelo menos dois vegetais diferentes e dois tipos de verduras, preferencialmente crus”.
Outro fator importante é a atenção à vitamina B12, que está presente na carne vermelha. “O vegano deve sempre solicitar em seus exames de rotina a vitamina B12, porque dependendo do nível de deficiência, é necessária a reposição”, conclui Fabiana.
Fonte: G1
Imagem capa: Foto: Aline Lira/Arquivo Pessoal