Sacerdote cubano faz campanha no Brasil contra o sacrifício animal em cultos religiosos
Sem julgamentos, entendemos que a reflexão sobre o assunto é importante.
O cubano Dagoberto Isaac Cordero Chirino, 66, tem uma missão: convencer pais e mães de santo brasileiros a parar com o sacrifício de animais no candomblé e na umbanda. Há no Brasil 589 mil pessoas que se declaram seguidores da umbanda ou do candomblé, segundo dados do IBGE de 2010.
Alawowwo, como é chamado, está no Brasil a convite de mãe Solange, uma ialorixá dona do terreiro de candomblé Roça dos Orixás Afro-brasileiros, em Guarulhos. Eles se conheceram em Cuba, onde mãe Solange esteve em 2015, no casamento de uma de suas filhas no candomblé. Na vida civil ela nunca se casou e não tem filhos biológicos.
O cubano está no Brasil com a mulher, Marta de Armas Sotolongo, com quem é casado há 35 anos e tem três filhos. Estão hospedados em uma casa em Guarulhos a meio quarteirão do terreiro de mãe Solange.
Ele e a ialorixá brasileira se aproximaram porque mãe Solange queria parar com o uso do sangue animal em seus trabalhos, e Alawowwo sabia como ajudá-la. Ele é do culto yezam (Ozaín), uma religião africana de 4.500 anos que nunca usou bichos em seus rituais. E em 2016 fez a iniciação nesse culto de mãe Solange, sem uso de sangue. “Desde então não faço mais sacrifício animal em minha casa”, afirma ela.
O culto de Yezam tem similaridades com o candomblé e a umbanda. É uma religião africana, nascida no Benin, e que chegou a Cuba e outros países da América Latina pelos escravos trazidos da África. Agora, se o plano de Alawowwo e mãe Solange der certo, chega ao Brasil. “Yezam é mais antigo que o candomblé e a umbanda, e tem alternativas para o uso do sangue”, afirma Alawowwo.
“Todas as religiões um dia fizeram sacrifício animal, os cristãos, os muçulmanos, os budistas. Mas se adaptaram às mudanças da sociedade e não fazem mais isso”, diz Alawowwo. “Até hoje nas missas católicas os padres falam ‘o sangue de Cristo’ quando levantam o copo, mas não é mais sangue que tem ali”, completa. “Agora está na hora das religiões de origem africanas se adequarem aos tempos modernos”.
O sacrifício animal acontece em rituais de iniciação, quando o sangue dos bichos é usado, e em despachos, quando são oferecidos aos orixás. O sangue é o que justifica a matança, ele é tido como um ingrediente poderoso, quase um atalho, na comunicação com as divindades. Galinhas, patos, pombos, bodes, carneiros e bois são mortos, às vezes mais de um bicho para um só ritual. Depois, a carne é assada e comida e até o couro é usado para fazer instrumentos de percussão.
Matar animais para esse fim está dentro da lei no Brasil. O tema foi discutido no Supremo Tribunal Federal em agosto de 2018, e foi considerado constitucional, ou seja, permitido, em março de 2019. A decisão do STF vale para todas as religiões e implica que a regra deve ser aplicada por todos os tribunais e juízes do país.
Mas não pode haver crueldade. Os casos de maus-tratos de animais são punidos com penas de três meses a um ano de prisão. E não são todos os centros de candomblé e umbanda que matam animais. Os chamados de mesa branca ou umbanda branca não utilizam esse recurso.
“Na Europa já é proibido matar animais em cerimônias religiosas. As religiões africanas no mundo todo sofrem pressão das organizações de defesa dos animais e dos governos, e o culto de Yezam é um caminho”, diz ele, em um português ainda salpicado de palavras em espanhol. “Quero ser fluente até o fim de minha estada aqui”, afirma.
O plano agora é chegar aos brasileiros por meio de palestras e encontros, que serão organizados por mãe Solange. Alawowwo fica no mínimo até meados de agosto aqui, ainda não tem nenhum compromisso agendado, mas está otimista. “É um trabalho complicado, mas estamos apelando à inteligência, à sensibilidade e à fé de integrantes de outros cultos.”
Fonte: Folha.Uol