Em Pauta

Desperdício de comida aumenta no Brasil durante a pandemia

Às três da manhã, pontualmente, o feirante piauiense Koy Rodrigues, de 48 anos, sai de casa. Após buscar seu caminhão em um estacionamento, dirige-se à feira pelas avenidas ainda tranquilas da capital paulista. Descarrega os alimentos, monta a barraca e, às 6h30, está pronto para receber clientes e começar a vender seus produtos. A rotina se repete há mais de 30 anos, desde que ele entrou no ramo, ainda adolescente.

Este ano, porém, o familiar cenário se alterou. Com a pandemia, o feirante viu a clientela minguar de repente. “As vendas caíram mais de 40% no início. Agora, estão retomando aos poucos”, relata ele. “Como consequência, as sobras de comida na feira aumentaram”.

As sobras também cresceram em outro elo da cadeia, o do fornecimento. Rodrigues teve dificuldade em adquirir produtos por conta de problemas logísticos, sobretudo no início da crise.

“As interrupções nas cadeias de abastecimento resultam em aumentos significativos na perda e desperdício de alimentos, especialmente de produtos agrícolas perecíveis, como frutas e vegetais” explica Gustavo Chianca, Oficial de Programa da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil.

Dia 29 de setembro foi o primeiro Dia Internacional de Conscientização sobre Perda e Desperdício de Alimentos da ONU, em um momento no qual o já recorrente problema da má gestão alimentar se agrava com a crise causada pela covid-19. Tecnicamente, ‘perda’ refere-se às fases de produção, pós-colheita, armazenamento e transporte. Já ‘desperdício’ diz respeito à fase de vendas e às práticas do consumidor.

A ONG Banco de Alimentos entrega doações a um centro social na zona leste de São Paulo. “Milhões deixam de se alimentar simplesmente por não terem acesso ao alimento que, na verdade, abunda”, diz Quintão.

Perda e desperdício – O Brasil apresenta desempenho inferior ao da média global em relação à ‘perda e desperdício’, conforme estudo desenvolvido pela unidade de inteligência da The Economist em 2018, que analisou 67 países. França e Argentina obtiveram os melhores resultados na área, enquanto Emirados Árabes Unidos e Malta, os piores.

No tocante à pandemia, produtores enfrentaram, nos primeiros meses, problemas como falta de mercado, alimentos amadurecidos nas lavouras e impossibilidade de escoar a produção, segundo relatório da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Na cidade capixaba de Linhares, 90% da exportação de mamão papaia é realizada por via aérea. Com a diminuição dos voos comerciais, parte significativa da produção não chegou ao destino. Já Epitaciolândia, no Acre, viu os vizinhos da cidade boliviana de Cobija desaparecerem de suas feiras com o fechamento das fronteiras. Produtores locais de hortaliças registraram grandes perdas.

De acordo com o relatório da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) deste ano, 29% dos supermercados do país não possuem programas de reaproveitamento de produtos e 62%, de doação de alimentos. Entre os itens perecíveis cujas perdas são conhecidas, 41% têm como causa a validade vencida e 33% a maturação e impropriedade para a venda.

Em contrapartida, os impactos da pandemia têm trazido à luz a questão do desperdício. “No Brasil, há um esforço para alimentar o número crescente de pessoas afetadas financeiramente pelas medidas de resposta à pandemia, recuperando e redistribuindo o excedente de suprimentos de alimentos, que normalmente seriam perdidos ou desperdiçados”, diz Chianca.

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Em junho, entrou em vigor uma lei, de iniciativa do Senado, que incentiva restaurantes, supermercados e empresas a doarem alimentos excedentes. A decisão quebrou um longo jejum de leis federais sobre o assunto.

“Comecei minha carreira há 22 anos e só agora, durante a pandemia, tive o prazer de ver promulgada uma lei federal que combate o desperdício de alimentos”, diz Luciana Quintão, fundadora da ONG Banco de Alimentos e autora do livro Inteligência social: a perspectiva de um mundo sem fome(s). “Várias outras leis podem e devem ser promulgadas nesse sentido”.

A pandemia também acelerou a organização de canais diretos de venda do produtor para o consumidor, seja por meio de pedidos por redes sociais ou outras plataformas, como explica Gustavo Porpino, analista da Embrapa e pesquisador. “Em linhas gerais, os consumidores estão mais atentos ao desperdício, e há intenção de adotar dietas mais saudáveis e sustentáveis”, diz ele.

Fonte: Nationalgeographicbrasil

Imagem capa: Pixabay

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